sábado, 23 de abril de 2011

Sexta-feira... Meu Mestre morreu!

Fiz questão de acordar bem cedo. Corri novamente naquela sala, para ver se restara migalhas da tua ceia. Encontrei quase nada, apenas uns sagrados farelinhos de pão. Ajudei minha mãe à arrumar as coisas. Queria poder ver se te encontrava por aí. O dia estava meio nublado, parecia que algo triste estaria para acontecer. Pedi ao meu pai que me deixasse ir ao templo rezar, era por volta das sete horas da manhã. O sol de Jerusalém está sempre muito quente nesse horário e quando é meio dia então? Faz muito calor e minhas vestes estão cada vez mais pesadas. Quando eu estava saindo do templo, era mais ou menos nove horas, vi uma procissão que ia em direção ao Palácio de Herodes. Mas o que viria ser aquilo? Perguntei para um dos que caminhava e ele me respondeu com grosseria, dizendo que a justiça estava para ser feita. Eu não compreendi a princípio aquelas palavras, mas mesmo assim estava curioso em saber o que se passava. Desconfiava que fosse você e de fato era. Corri, corri muito para chegar perto, o mais perto possível e mais uma vez olhaste pra mim.

Ah Mestre... eu desejava aliviar teu sofrimento. Mas porque estavas naquela situação? Eu não entendo: não eras ladrão ou assassino; homens que cometem infrações são punidos, mas teu castigo para mim era inconcebível! Meu desejo era tirar você dali, nem que tivesse que derramar sangue. Mas senti-me muito fraco e, no entanto, parecia-me que as dores não te afligiam tanto, pois matinhas o teu rosto sereno. Meu pai estava à minha procura e eu tive que deixar aquela procissão, mas depois de atender ao meu pai, voltei a te procurar. Já estavas sendo açoitado. Meu Deus, o que era aquilo?! Já presenciei várias torturas, é comum em Jerusalém acontecer essas coisas durante os dias de Páscoa. Eles utilizam-se do ser humano como se fosse o pior dos animais e fazem o que bem querem com eles e eu considero aquilo desumano!

Foi inevitável as lágrimas. Sentia meu espírito gemer a cada chicoteada que recebias... minha vontade era de gritar, mas como gritar? Todos assistiam aflitos aquela agonia sem nada poder fazer. Uma mulher chorava muito, mas muito mesmo. Umas das mulheres judias que conheço com beleza sem igual. Me disseram que é sua mãe. Tentei aproximar-me dela, mas desisti, acho que eu ia ficar ainda pior vendo aquela angústia sem fazer nada. E tu também choravas... homem cheio de dores e sofrimentos... choravas tanto que percebi o choro de toda a humanidade nos teus olhos. Olhaste para mim uma vez e neste olhar me dissestes: “Eu te amo”.

Disseram-me que com um beijo entregaram o senhor para morte. Isso é horrível! Quando se tem um amigo, espera-se fidelidade dele. Traição é assombroso, abominável. Depois de cansarem de tanto baterem, pregaram-te na cruz e ao invés de sentir compaixão de ti, machucaram-te até fazer a tua carne sangrar. Os homens gritavam eufóricos como se presenciassem a mais bela cena! Tu olhavas para o céu e suplicavas por algo. Lembro-me de uma só palavra que pronunciastes: Perdão. Perdão para quem? Perdão de quem? Será que estavas perdoando alguém? Não sei, não entendia muita coisa... eu estava de longe. Os dois ladrões que estavam do teu lado ainda não haviam morrido. O céu estava muito escuro, com certeza ia chover. Vi um último grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” Este era o grito da consumação. Pendestes a cabeça para um lado e adormeceste no sono eterno. Eu chorava ao ponto de soluçar. Peço-te perdão por sentir tanto sofrimento ao ver aquilo, mas ser incapaz de evitar a tua morte.

Um dos guardas foi quebrando as pernas dos ladrões e eles agonizaram até morrer. Chegaram próximos a ti e eu gritei aflito: “Não! Ele já morreu.” Meus olhos estavam fitos e eu já havia notado que tinhas morrido. Ele quis ainda certificar-se que não estavas vivo e ficou a lança no teu peito. Corri, suplicando que não fizesse aquilo, mas não adiantou. Ao chegar próximo ao guarda, o teu coração começou a jorrar sangue que chegou a respingar no meu rosto. Passei a mão e dei um beijo. Ele incrivelmente fez a mesma coisa. Neste instante o céu se abriu e a chuva desceu torrencialmente. Corri para casa, eu não podia ficar ali. Antes ainda consegui dar um abraço em um dos teus discípulos e por incrível que pareça, o único que se encontrava naquele lugar. Sua mãe beijava seus pés e outra mulher, que ainda não conhecia estava próxima à ela.

Ao chegar em casa, chorei ainda mais e rezei esperando entender tudo aquilo que se passava contigo.

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